sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa

Olá, caros leitores.

Publico uma redação de minha autoria sobre o acordo de Língua Portuguesa.


Língua, uma marionete?

O Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa aspira à unificação das grafias empregadas em sete países lusófonos, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Os cruzados dessa empreitada alegam que ela facilitaria a comunicação entre os diversos falantes da Língua. Contudo, esse tresloucado projeto apenas obriga os lusófonos a reaprenderem a escrita correta dos vocábulos portugueses.


O famigerado acordo modifica detalhes lingüísticos como o hífen, o trema, a acentuação, o alfabeto e a grafia de algumas palavras. É veraz que essas minúcias da Gramática Portuguesa sempre foram complicadas e que muitas pessoas não as dominavam ou sequer as conheciam. Contudo, essa concórdia ortográfica não simplificou nem tornou mais práticas as regras da Língua, ou seja, não facilitou o aprendizado das gerações vindouras, mas sim dificultou o cotidiano dos já alfabetizados, uma vez que estes serão obrigados a reaprender a escrever, seguindo regras tão ou mais complicadas que as anteriores. Uma ilustração magnífica para esse aumento de complexidade é o acento agudo. Antes, o “i” e o “u” quando representavam a segunda vogal tônica de um hiato eram acentuados, como em “saúva” e “feiúra”. Com esse acordo, o “i” e “u” quando componentes de um hiato, tônicos e paroxítonos, apenas caso não sejam precedidos de ditongo, levam acento, isto é, “saúva” continua acentuada, porém “feiúra” perde o acento, sendo grafada como “feiura”. Portanto, são essas inovadoras regras mais fáceis ou lógicas que as anteriores?


Além dessa total falta de pragmatismo, a que, teoricamente, os idealizadores desse projeto visavam, o Acordo tenta domar algo arredio por essência. A Língua não pode ser controlada por burocratas, que, ao imporem essa concórdia ilógica, crêem, cegamente, que podem manipulá-la da mesma forma que um ventríloquo manipula sua marionete. Essa tentativa vã de controle autoritário é impossível, pois a Língua pertence unicamente ao povo e esse não mudará, sem sofrimento intelectual, seus hábitos e tradições gráficas, arraigadas por séculos de excelente literatura, apenas porque um grupelho de doutos quis atentar contra a nobre grafia portuguesa. Se Luís Vaz de Camões e Fernando Pessoa escreveram óptimos épicos, por que os portugueses abandonariam ao limbo as consoantes mudas? Se as idéias de Joaquim Maria Machado de Assis e João Guimarães Rosa foram brilhantes, por que os brasileiros condenariam ao ostracismo os acentos?


Dessa forma, percebe-se que o Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa não auxilia ninguém, apenas impõe, autoritariamente, aos falantes da Língua uma nova e artificial grafia. Resta saber se os lusófonos acatarão ousadia tão malévola perante a Língua de Camões.





Até mais!

Vítor


quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Argumentum ad hominem

Olá, caros leitores!

Nesta postagem, publicarei uma reportagem que explica detalhademente um tipo de argumentação, intitulada argumentum ad hominem. Esta matéria foi publicada nas páginas 36 e 37 da revista Língua Portuguesa, ano III, nº 34, agosto de 2008.

Segue abaixo a íntegra da mui interessante reportagem:

Alvos da desqualificação

Debate em torno de uso de células-tronco em pesquisas deu margem a falácia que desqualifica o oponente, não necessariamente seu discurso


José Luiz Fiorin


Cláudio Fonteles, autor da ação de inconstitucionalidade da lei que regula a utilização de células-tronco embrionárias na pesquisa, questionado sobre o conflito de interesses de seu engajamento cristão com o mérito da ação, rebateu, dizendo:


"A doutora Mayana Zatz, que é o principal elemento de quem pensa diferentemente da gente, tem também uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato" (FSP, 21/4/2007).

Nesse caso, quem questionou o procurador, em vez de discutir os argumentos que ele propusera na ação, desqualificou-o, pondo em dúvida suas motivações. Em sua resposta, o procurador, em lugar de responder ao ataque, preferiu pôr em dúvida a credibilidade da pessoa que liderava a corrente contrária a seu ponto de vista, nesse caso, a coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.


Esse argumento, em que não se discutem os méritos intrínsecos do ponto de vista ou da dúvida do oponente, mas se desqualifica o adversário como interlocutor sério, apresentando-o com alguém incompetente, não confiável ou inconseqüente, recebe o nome latino de argumentum ad hominem (argumento dirigido à pessoa). Essa forma de resposta dirige-se à audiência e não ao oponente. Ela busca silenciá-lo, ao pôr em dúvida sua confiabilidade.


Variantes
Os argumentos ad hominem apresentam três variantes:
a) o ataque pessoal direto;
b) o ataque pessoal indireto;
c) a apresentação de contradições entre posições do oponente ou entre suas palavras e suas ações.


O ataque pessoal direto dirige-se a qualquer aspecto da pessoa do argumentador: seu caráter, sua competência, sua honorabilidade. O que se pretende é atingir a ética do oponente, considerando-o desonesto, não íntegro, não digno de confiança. O que se busca é mostrar que alguém incapaz ou insincero não pode sustentar posições corretas ou manifestar dúvidas justificadas. Quando se diz que o adversário é desequilibrado, visa-se indicar que ele não tem capacidade de argumentar racionalmente e, por conseguinte, seu argumento não merece atenção. No ataque pessoal direto, sempre se apresenta uma característica negativa do debatedor.


O ataque pessoal indireto é aquele em que se coloca sob suspeita a imparcialidade do argumentador. Nesse caso, apresenta-se uma característica do oponente, que, em princípio, não seria negativa: filiação política, crença religiosa, etnia, alianças de qualquer natureza. No entanto, ressaltar esse atributo destina-se a mostrar o argumentador como alguém tendencioso, que defende uma pauta oculta, que tem motivações pessoais para lutar em favor de uma dada posição, que pode estar motivado por preconceitos ou por uma visão parcial. Quando se diz que alguém que critica as quotas para negros no ensino superior é branco ou que alguém que recrimina alguma atitude do atual governo é de direita, o que se está fazendo é deixar subentendido que eles têm um motivo oculto para patrocinar uma determinada causa, é questionar sua eqüidade. Uma forma de ataque pessoal indireto é deixar implícito que o outro nada tem a dizer sobre um dado assunto, porque não teve experiência pessoal sobre ele. É o argumento freqüente para rebater os pontos de vista da Igreja Católica sobre sexualidade ou sobre matrimônio: os padres são celibatários.


Posições
A terceira variante consiste em apontar contradições entre a posição atual do oponente e pontos de vista sobre o mesmo tema no passado ou entre suas palavras e suas ações. Essa variante está muito presente no debate político, porque os homens públicos têm o hábito de ter posições divergentes, quando estão no governo ou na oposição. Assim, quando um político acusa o governo de infligir prejuízo à Petrobras, ao segurar os preços dos derivados de petróleo para não alimentar a inflação, pode-se rebater sua posição, expondo que ele advogava esse ponto de vista quando estava no governo.


A lógica considera o argumento ad hominem uma falácia, dado que os atributos do argumentador não fazem suas proposições falsas ou incorretas. No entanto, ele é eficaz na discussão, quando não se tem provas consistentes para sustentar um argumento ou elas são muito fracas. Quando o governo não tem, por exemplo, como defender um ato governamental, reage a um pedido de CPI pela oposição, dizendo que se trata de manobra eleiçoeira. É o argumento ideal diante de perguntas incômodas ou capciosas, porque, nesse caso, questiona-se a pergunta em vez de respondê-la. Suponhamos que um ex-presidente do Banco Central do governo FHC perguntasse a Henrique Meirelles se ele poderia garantir que não haveria aumento dos juros numa próxima reunião do Comitê de Política Monetária. Ele poderia responder que, vinda de um ex-presidente do Banco Central de um período em que os juros chegaram a patamares elevadíssimos, a pergunta carecia de sentido. Foi o que fez o procurador Cláudio Fonteles no exemplo mencionado acima. Esse tipo de argumento é forte, ainda, para replicar um argumento ad hominem usado pelo outro. Quando se diz a um homem que apresenta uma objeção à descriminalização do aborto que só as mulheres têm direito a discutir a questão, pois o homem apresentaria, pela própria condição masculina, uma parcialidade inevitável, pode-se inverter o argumento, dizendo que as mulheres, por ter um interesse pessoal no tema, não seriam as pessoas que poderiam debatê-lo com racionalidade. Por isso, o argumento ad hominem é uma estratégia de discussão que livra o debatedor de rebater um argumento, na maior parte dos casos, procedente. No geral, usa-se esse argumento quando se está acuado num debate, quando não se tem como responder ao oponente.



José Luiz Fiorin é professor do Departamento de Lingüística da USP e organizador, com Margarida Petter, do livro África no Brasil - A Formação da Língua Portuguesa (Contexto)


Muito elucidativo o texto, não?

Até mais,
Vítor!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Tópica, de Marco Túlio Cícero

Em sua obra intitulada Tópica, o ilustre romano Marco Túlio Cícero escreve sobre como escrever e discursar:

E da mesma maneira nas narrativas para que correspondam ao seu fim, quer dizer, que sejam claras, breves, dignas de fé, verossímeis, naturais, plenas de nobreza. Estas qualidades devem encontrar-se em todo discurso, mas convêm mais especialmente à narração. A parte que segue à narrativa, a prova, é feita de persuasão; os termos mais eficazes para persuadir foram expostos a propósito da maneira de falar geral. A peroração, entre outros termos especiais, emprega sobretudo a amplificação, cujo efeito deve ser excitar ou acalmar os ânimos e, se estes já estão nessa disposição, o discurso deve aumentar esta emoção ou diminuí-la.

Postagem breve que eu gostaria de ter feito já há algum tempo, contudo só agora encontrei opurtunidade.

Até mais caros leitores!
Vítor

PS: Acrescentei um blog à lista Indicações. Ele aborda um assunto muito interessante, o Direito, e seus autores, João Gabriel e Guilherme, são competentíssimos.

domingo, 10 de agosto de 2008

Da vida

Quando você percebe que vale a pena viver longos e longos anos?

Quando seu avô, um homem com 90 anos nas costas (quase 91) e sobrevivente de dois infartos, demonstra uma disposição muito acima da média (de um jovem) e faz um discurso comovente e brilhante sobre responsabilidade e retidão!

É incrivelmente comovente ver um senhor tão idoso levantar-se e, sem perder o folêgo, fazer uso de uma oratória tão apurada! (Eu não sabia que meu avô era um grande orador!!! Que neto desnaturado eu sou!)

Além do mais, suas poucas palavras foram uma lição de vida que poucas pessoas já me transmitiram! Poderia dizer que aprendi muito mais em uns 15 minutos de "aula" com meu avô do que em boa parte das trocentas mil horas de aulas acadêmicas que eu tive!

Só posso terminar dizendo:

— Parabéns, vô! O senhor realmente me surpreendeu! Um Feliz Dia dos Pais!

Também não posso deixar de dizer:

— Feliz Dia dos Pais, pai!

Até outro dia, caros leitores.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Da guerra

Olá a todos!!

O texto que se segue é motivado por um minúsculo debate que tive com dois amigos. Minha participação foi bem curta porque eu tinha que resolver algumas coisas em um período de tempo bastante escasso. Por causa dessa curta participação, decidi escrever meus pensamentos aqui.

O debate iniciou-se pela discussão de quão cruel foram os atos que o Brasil realizou durante a Guerra do Paraguai e fez me refletir sobre a questão da guerra em geral.Inicialmente, é necessário definir, com exatidão, o objeto do estudo:

Guerra: luta armada entre nações, ou entre partidos de uma mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fim de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos [Dicionário Houaiss]

Sabendo já o que é guerra, é possível analisar suas particularidades, mais especificamente o que se pode chamar de Ética na guerra. Esse campo da Filosofia da Moral, indaga se o ato bélico é moral, imoral ou amoral.

Alguns defenderiam que uma guerra pode ser justa, portanto moral, caso ela lute por ideais corretos, como a defesa da democracia e da humanidade.

Outros dizem que uma guerra é imoral, quando combate por objetivos vis e mesquinhos, como conquista de certos recursos naturais.

Os dois lados podem estar certos, contudo apenas sobre o que gerou a guerra. Eles não estão refletindo sobre o ato bélico, mas apenas sobre suas causas e motivações.

A guerra, considerando apenas seus combatentes (desde o soldado do front até o general do Alto Comando), é amoral, pois, nela, não existe mais a razão, sendo, portanto, impossível de qualificá-la como moral ou imoral. É possível afirmar isso, baseando-se em dois pilares:

  • Os combatentes não mais se importam com o certo ou errado, eles se importam com o sobreviver e farão tudo ao seu alcance para alcançar esse fim. Eles fugirão, matarão, farão massacres, desde que sobrevivem.

  • A guerra não é própria dos homens, como já disseram Cícero e Maquiavel "Existem, realmente, duas maneiras de resolver um diferendo: um pela discussão, o outro pela força: a primeira é própria do homem, a segunda dos animais; é preciso recorrer a esta última, se a precedente é impraticável." Sendo o ato bélico típico dos animais e estes incapazes de refletir, a guerra não pode ser julgado por preceitos morais, pois ela é amoral.

Além desses dois importantes fatores, é importante ressaltar que a guerra só se inicia quando todos os meios racionais de solução de controvérsias provaram-se ineficientes. Quando o Respeito, a Diplomacia e o Direito falham, a guerra se inicia. Em outras palavras, apenas quando a Razão mostrou-se integralmente incapaz de solucionar uma questão, os homens agem animalescamente e iniciam a guerra. Portanto, não havendo Razão na guerra, ela não pode ser rotulada como moral ou imoral, ela é apenas amoral.

Tendo a amoralidade da guerra sido clarificada, resta apenas mais um afirmação: não há juízo de valor no ato bélico. Ele não foi bom ou mal, ele apenas foi. Milhões de homens matarem outros milhões de homens não foi certo ou errado, apenas foi. Não cabe, no ato bélico, perguntar: "deve-se matar?" ou "deve-se fugir?". O que é válido e necessário é indagar, antes da guerra, se é racionalmente justo iniciá-la, pois, depois que ela começa, o instinto animal humano vai às últimas consequências.

Gostariam de comentários. Caros leitores, vocês concordam ou discordam?

Vítor Augusto Possebom

PS: Não defendo a guerra ou as atrocidades nela cometidas. Apenas defendo que os combatentes não cometeram atos bons ou mals. Quem talvez os tenha cometido foram os líderes, durante o pré-guerra.