Em 1920, ele foi escolhido como paraninfo dos formandos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e escreveu um lindo discurso que, basicamente, consistia em conselhos ao jovens.
Considerando toda a experiência e sabedoria desse homem, publico alguns trechos desse discurso, que ficou conhecido como Oração aos Moços:
Então a palavra se eletriza, brame, lampeja, atroa, fulmina. Descargas sobre descargas rasgam o ar, incendeiam o horizonte, cruzam em raios o espaço. É a hora das responsabilidades, a hora da conta e do castigo, a hora das apóstrofes, imprecações e anátemas, quando a voz do homem reboa como o canhão, a arena dos combates da eloqüência estremece como campo de batalha, e as siderações da verdade, que estala sobre as cabeças dos culpados, revolvem o chão, coberto de vítimas e destroços incruentos, com abalos de terremoto. Ei−la aí a cólera santa! Eis a ira divina!
Quem, senão ela, há de expulsar do templo o renegado, o blasfemo, o profanador, o simoníaco? quem, senão ela, exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? quem, senão ela, banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? quem, senão ela, varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o ladrão público? quem, senão ela, precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, ou a tirania? quem, senão ela, arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência, ou à traição? Quem, senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos vendilhões e dos hipócritas? a cólera do justo, crucifixo entre ladrões? a cólera do Verbo da verdade, negado pelo poder da mentira? a cólera da santidade suprema, justiçada pela mais sacrílega das opressões?
Então vim a perceber vivamente que imensa dívida cada criatura da nossa espécie deve aos seus inimigos e desfortunas. Por mais desagrestes que sejam os contratempos da sorte e as maldades dos homens, raro nos causam mal tamanho, que nos não façam ainda maior bem.
[...]
Quanto é pela minha parte, o melhor do que sou, bem assim o melhor do que me acontece, freqüentemente acaba o tempo convencendo−me de que não me vem das doçuras da fortuna propícia, ou da verdadeira amizade, senão sim que o devo, principalmente, às maquinações dos malévolos e às contradições da sorte madrasta.
[...]
De sorte que, no perdoar aos inimigos, muita vez não vai somente caridade cristã, senão também justiça ordinária e reconhecimento humano.
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria. Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.
Os portentos, de que esta força é capaz, ninguém os calcula. Suas vitórias na reconstituição da criatura maldotada só se comparam às da oração.
Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar−se d’alma pelo contacto com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua de cada um sobre si mesmo e sobre o mundo onde labutamos. O indivíduo que trabalha, acerca−se continuamente do autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma parte, de que depende também a dele. O criador começa, e a criatura acaba a criação de si própria.
Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela emparelha com a oração pelo culto. Nem pode ser que uma ande verdadeiramente sem a outra. Não é trabalho digno de tal nome o do mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas, quando o trabalho se junta à oração, e a oração com o trabalho, a segunda criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha às vezes, em maravilhas, à criação do homem pelo divino Criador.
[...]
Já vedes que ao trabalho nada é impossível.
Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem. Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas.
PS: para quem gostou do texto e quer lê-lo por completo, o link é esse: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf
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